sábado, 21 de março de 2009

Segue a brilhante Fundamentação de uma ministra do S.T.J vale a pena ler.

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 23.398 - SP (2008/0080658-0)
RELATORA : MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG)
RECORRENTE : JOSÉ DOMILSON DA SILVA (PRESO)
ADVOGADO : WALTER JOSE GONÇALVES JUNIOR
RECORRIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE
PESSOAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NECESSIDADE
DE ANÁLISE PROBATÓRIA. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. INDÍCIOS
DE AUTORIA E PROVA DA MATERIALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA.
GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM
PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. O trancamento de uma ação penal exige que a ausência de justa
causa, a atipicidade da conduta ou uma causa extintiva da
punibilidade estejam evidentes, independente de investigação
probatória, incompatível com a estreita via do recurso em habeas
corpus.

2. A existência de indícios de autoria e prova da materialidade, bem
como a alegação de ser abstratamente grave o delito em tese
praticado, não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão
cautelar, se desvinculada de qualquer fator concreto.

3. Se não estão presentes os elementos fáticos, deve ser cassado o
acórdão recorrido, bem como a decisão monocrática por ele
confirmada, para conceder ao paciente o benefício da liberdade
provisória, se por outro motivo não estiver preso, mediante as
condições a serem estabelecidas pelo Magistrado singular, sem
prejuízo de que seja decretada nova custódia, com base em
fundamentação concreta.

4. Ordem parcialmente concedida, apenas para permitir ao paciente a
liberdade provisória, nos termos do voto da Relatora.
DECISÃO

Trata-se de recurso em habeas corpus, interposto por JOSÉ DOMILSON
DA SILVA – denunciado por crime de furto qualificado pelo concurso
de pessoas – contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo que denegou a ordem em habeas corpus lá interposto,
pretendendo o trancamento da ação penal ou a concessão de liberdade
provisória.

Pleiteia o trancamento da ação penal porque não existem provas de
ser ele o autor do crime. Alternativamente, requer a concessão da
liberdade provisória, eis que está preso por decisão que se fundou
apenas na gravidade abstrata do crime.

A Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo parcial provimento
do recurso, fl. 82/86.

É o relatório.

Passo a decidir.

Analisei atentamente as razões recursais, a documentação acostada, o
parecer do Ministério Público Federal e entendo que o recurso deve
ser provido apenas em relação à necessidade de concessão da
liberdade provisória ao recorrente.

No que concerne ao trancamento da ação penal por inexistência de
provas da autoria do crime, devo destacar que, segundo entendimento
reiterado deste Superior Tribunal de Justiça, o trancamento da ação
penal pela via do recurso em habeas corpus é medida de exceção,
somente admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a
inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da
punibilidade ((RHC 19.036/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA
TURMA, julgado em 13.03.2007, DJ 16.04.2007 p. 216), não sendo este
o caso dos autos. Vejamos o precedente:

PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 171, § 3º E ART. 342, AMBOS DO CÓDIGO

PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.
INOCORRÊNCIA.

I - O trancamento de ação por falta de justa causa, na via estreita
do writ, somente é viável desde que se comprove, de plano, a
atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da
punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a
materialidade do delito, hipóteses não ocorrentes na espécie
(Precedentes).

II - Na hipótese, a exordial acusatória não se descuidou de
atribuir, a cada um dos acusados, a possível e efetiva participação
nos fatos apurados. Com relação ao primeiro recorrente, no crime de
estelionato. Já em relação ao segundo, a prática, em tese, do crime
de falso testemunho.

III - Recurso ordinário desprovido.
(RHC 20.021/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado
em 03.04.2007, DJ 21.05.2007 p. 595).

Dos documentos acostados aos autos do recurso em habeas corpus, fl.
10, consta o auto de reconhecimento de pessoa, em que a vítima teria
atribuído a autoria do crime de furto ocorrido em sua casa ao
recorrente, bastando para o prosseguimento da ação penal.

Entendo que a passagem pela instrução probatória nesse caso se
impõe, haja vista que os elementos coligidos na ação constitucional
de habeas corpus não é suficiente para, de plano, permitir ao
julgador delimitar se existe ou não elementos aptos a apontar o
recorrente como autor do crime.

Todavia, quanto à liberdade provisória, assiste razão ao recorrente.
Consta dos autos que José Domilson foi preso em flagrante delito, a
autoridade judiciária tomou conhecimento da prisão e o manteve
segregado. Inconformado, ele interpôs habeas corpus junto ao
Tribunal de Justiça estadual, o qual negou-lhe a liberdade
provisória sob a seguinte argumentação, fl. 45:
(...)
Das cópias acostadas aos autos, apura-se que os elementos
probatórios colhidos são amplamente desfavoráveis ao paciente, pois,
além de estar comprovada a materialidade do crime que lhe é
atribuído, existem fortes indícios de sua participação no delito,
principalmente porque reconhecido pela vítima como sendo um dos
agentes furtadores (fls. 10). Portanto, presente o primeiro
requisito: o fumus boni iuris.

O crime em tela (furto qualificado pelo concurso de pessoas),
reveste-se de particular gravidade, o que desautoriza a permanência
do paciente em liberdade, como forma de se garantir a ordem pública.
Além disso, insta anotar que, em diligência informalmente
determinada por este relator junto ao 25º Ofício Criminal da Comarca
da Capital, apurou-se que o feito originário encontra-se na fase do
artigo 500 do Código de Processo penal, de sorte que a liberação do
paciente, em período tão próximo à prolação da sentença, mostra-se
inoportuna sob o prisma da aplicação da lei penal.

Em terceiro irroga-se-lhe a prática de crime punido com pena de
reclusão, enquadrando-se tal fato no inciso I do artigo 313.
(...).
O paciente somente pode manter-se preso, antes do advento da
sentença condenatória com trânsito em julgado, por ser esta uma
medida extrema, quando há elementos concretos nos autos indicando
que sua liberdade põe em risco a ordem pública, a ordem econômica, a
instrução criminal ou a aplicação da lei penal, caso contrário, deve
ser mantido em liberdade.

Este não é, contudo, o caso dos autos.

Assim como a gravidade abstrata dos delitos não possui o condão de,
por si só, justificar a prisão cautelar, também meras conjecturas
não servem para sua imposição. Para que isso ocorresse seria
necessário haver demonstração de que o agente mostra-se perigoso
para a sociedade, que sua liberdade implica em risco para os demais,
fato que, até o momento, não foi demonstrado.

Nada há nos autos que indique que a liberdade do paciente porá em
risco a ordem pública ou a instrução criminal.
Sem lastro em elementos concretos de convicção, não pode o paciente
permanecer preso, sob pena de afronta ao princípio constitucional de
fundamentação das decisões emanadas dos órgãos do Judiciário e à
regra do artigo 312 do Código de Processo Penal.

Portanto, a prisão provisória, de natureza eminentemente cautelar e,
por conseguinte, não-satisfativa, somente pode ser mantida quando
algum dos requisitos do mencionado artigo 312 estiver presente
diante do caso concreto.

Há, nesse sentido, inúmeros precedentes deste Superior Tribunal:

Imigração ilegal de brasileiros para os Estados Unidos da América
(formação de quadrilha e tentativa de estelionato). Ação penal
(trancamento). Falta de justa causa (não-ocorrência). Prisão
preventiva (requisitos). Decreto (ausência de fundamentação).
Revogação (caso).

1. Havendo, na denúncia, razoável exposição dos fatos havidos por
criminosos, deve a ação, ao menos por ora, ter prosseguimento.

2. Pode ser decretada pela autoridade judiciária a prisão preventiva
por meio de despacho (ou decisão) sempre fundamentado, em qualquer
fase do inquérito ou da instrução.

3. Os riscos de fuga e de reiteração da conduta criminosa, sem
amparo em dados concretos, não justificam, por si sós, o decreto,
mormente quando a paciente reside no distrito da culpa e possui bons
antecedentes. Também não justificam a gravidade abstrata do fato e a
expectativa quanto à punição dos crimes pelo Estado.

4. Carecendo o ato judicial de suficiente fundamentação, carece de
legalidade; caso, portanto, de constrangimento ilegal.

5. Ordem concedida em parte, com efeito extensivo. (STJ – HC
53.485/SP – Rel. Min. Nilson Naves – Sexta Turma – Pub. no DJ em
26.02.2007, p. 645). (Grifo nosso).

CRIMINAL. HC. ESTELIONATO. RECEPTAÇÃO. QUADRILHA. FALSIFICAÇÃO DE
DOCUMENTO. PRISÃO PREVENTIVA. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE
AUTORIA. GRAVIDADE DOS DELITOS. CIRCUNSTÂNCIA SUBSUMIDA NO TIPO.

CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA. INTRANQÜILIDADE SOCIAL. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA
A RESPALDAR A CUSTÓDIA. (...). CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. ORDEM
CONCEDIDA.

O juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado aos
pacientes, a existência de prova da autoria e materialidade do
crime, a credibilidade do Poder Judiciário, bem como a
intranqüilidade social não constituem fundamentação idônea a
autorizar a prisão para garantia da ordem pública, se desvinculada
de qualquer fator concreto, que não a própria conduta, em tese,
delituosa.

Aspectos que devem permanecer alheios à avaliação dos pressupostos
da prisão preventiva.
As afirmações a respeito da gravidade do delito trazem aspectos já
subsumidos no próprio tipo penal, além de que qualquer prática
criminosa, por si só, intranqüiliza a sociedade.
(...).
Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de
eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente
valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que
justifiquem a medida constritiva excepcional.
Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como o decreto prisional,
para revogar a prisão preventiva dos pacientes, sem prejuízo de que
venha a ser decretada novamente a custódia, com base em
fundamentação concreta.
Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. (STJ – HC 49.786/ES
– Rel. Min. Gilson Dipp – Quinta Turma – Pub. no DJ em 02.05.2006,
p. 357).
A questão é corriqueira e repetida nesta Turma, além de contar com
o parecer favorável do Ministério Público, merecendo pronta decisão,
agilizando a prestação jurisdicional.
Posto isto, com fulcro no artigo 557, § 1º A, do Código de Processo
Civil e artigo 3º do Código de Processo Penal, concedo parcialmente
a ordem para conferir ao paciente a liberdade provisória, mediante
assinatura em termo de comparecimento a todos os atos do processo,
cuja lavratura delego ao Juiz de primeiro grau.
Expeça-se alvará de soltura se por outro motivo não estiver preso.
Oficie-se.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília (DF), 23 de maio de 2008.
MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG)
Relatora

Gostei do respeito que a Ministra revelou ao art 312 do C.P.P, lembrando-se que para o réu manter-se em cárcere devera o Estado comprovar que a prisão tem cautelaridade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Dúvida: O que seria uma "causa justa"?